Maternidade e futuras gerações
Ana Cláudia Brandão – Pós-doutora em Direito
A maternidade é um dos aspectos mais significativos e desafiadores da vida de muitas mulheres. Embora a maioria delas tenha esse sonho, há um número crescente de mulheres que optam por não ter filhos. Em países desenvolvidos, por exemplo, cerca de 20% das mulheres na faixa dos 30 anos estão nesse grupo, um número que tem aumentado nas últimas décadas. As principais razões incluem a busca por independência pessoal, preocupações ambientais e socioeconômicas, a ausência de desejo maternal e, principalmente, o foco na carreira.
Historicamente, a maternidade tem sido uma barreira significativa para o avanço profissional das mulheres. Dados estatísticos mostram que as mulheres que se tornam mães frequentemente enfrentam prejuízos na carreira, incluindo menores oportunidades de promoção e menores salários comparados aos seus colegas homens. Cerca de 43% das mulheres optam por reduzir suas horas de trabalho ou sair temporariamente para cuidar dos filhos, o que afeta seu crescimento profissional e salário a longo prazo.
Como a biotecnologia poderia ajudar a minimizar os efeitos do período de gestação na vida das mulheres?
A ciência moderna está a um passo de transformar radicalmente esse processo com a introdução de úteros artificiais, saindo da ficção como retrata o filme da Netflix “The Pod Generation”, para a realidade.
Úteros Artificiais: o futuro da gestação
Os úteros artificiais, também conhecidos como ectogênese, são dispositivos projetados para replicar as condições de um útero humano, permitindo o desenvolvimento de um feto fora do corpo da mulher.
Pesquisadores já conseguiram manter embriões de animais em estágios iniciais de desenvolvimento em ambientes artificiais, e o avanço contínuo dessa tecnologia promete tornar a gestação exógena uma realidade para humanos em um futuro não tão distante.
Na Europa, várias empresas estão na vanguarda da pesquisa e desenvolvimento de úteros artificiais, tais como a EctoLife e a BioBag, que trabalham em colaboração com instituições de pesquisa para garantir que a tecnologia seja segura e eficaz.
Apontam-se como potenciais benefícios a segurança e saúde, com a redução de riscos associados à gravidez e ao parto, como complicações médicas e mortalidade materna; tratar-se de uma prática inclusiva, por possibilitar a maternidade para pessoas que não podem engravidar devido a razões médicas, idade avançada, ou mesmo para casais homoafetivos e pessoas transgênero e, em especial, a questão da autonomia, por oferecer às mulheres a opção de evitar os desafios físicos e emocionais da gravidez, permitindo-lhes manter suas atividades normais sem interrupções significativas.
Questões éticas
Apesar dos benefícios potenciais, os úteros artificiais levantam várias preocupações éticas que precisam ser cuidadosamente consideradas. Alguns apontam o impacto na relação mãe-filho, por eventual ausência de um vínculo emocional entre eles. Outra preocupação diz respeito à equidade de acesso, posto que a disponibilidade desta tecnologia pode ser limitada a indivíduos de alta renda, exacerbando desigualdades sociais e econômicas. Outrossim, a possibilidade de uso de úteros artificiais em combinação com edição genética para criar “bebês projetados” traz preocupações sobre eugenia e a ética de modificar características humanas.
Gerações futuras
A introdução de úteros artificiais não apenas transformará a experiência de maternidade, mas também impactará significativamente as futuras gerações de mulheres e os assim nascidos. Se por um lado, mulheres poderão planejar suas famílias com mais flexibilidade, decidindo o melhor momento para ter filhos sem as limitações físicas da gravidez, por outro, os indivíduos nascidos por essa ferramenta precisarão ter a saúde física e mental monitoradas. Além disso, crianças nascidas de úteros artificiais podem enfrentar questões únicas de identidade e aceitação social, exigindo sensibilização e adaptação por parte da sociedade. As futuras gerações de mulheres e os assim nascidos, sujeitos de direito, enfrentarão novos desafios e oportunidades, moldando uma sociedade que se adapta às mudanças tecnológicas e às novas dinâmicas familiares.
Nesse contexto, os úteros artificiais podem representar uma promessa revolucionária para a reprodução humana, mas a sociedade deve abordar cuidadosamente as complexas questões éticas que eles apresentam.
É crucial continuar trabalhando para eliminar as barreiras que a maternidade impõe à vida das mulheres. A combinação de avanços biotecnológicos e mudanças sociais pode, eventualmente, criar um futuro onde a maternidade não impeça a realização pessoal e profissional e onde todas as pessoas tenham os seus direitos reprodutivos respeitados.
Imagem divulgação: redes sociais